Quando eu
era adolescente e tinha um problema eu fazia um pequeno ritual. Eu me trancava
no quarto, mergulhava debaixo das cobertas, me virava para as paredes e dizia:
Eu quero voltar para casa, eu quero voltar para casa, eu quero voltar para
casa.
Um dia eu
me perguntei por que eu repetia esta frase se eu já estava em casa. Na época eu
não sabia a resposta, mas hoje eu sei. A minha casa tem mais haver com meus
sentimentos do que com as quatro paredes que me abrigam.
Minha
casa não pode ser financiada pela CAIXA. A minha casa nunca passou de um
sentimento.
Estou em
casa quando eu posso tirar os sapatos. Estou em casa quando eu posso chorar sem
me preocupar com a opinião alheia. Estou em casa quando eu posso conversar com
alguém não sobre as minhas qualidades, mas sobre as minhas fragilidades. Estou
em casa quando eu posso dizer a verdade, mesmo que ela lhe doa, mesmo que ela
me doa. Estou em casa quando eu posso rir desesperadamente e sem freios. Estou
em casa quando eu posso falar sem abaixar ou aumentar o tom. Estou em casa
quando eu não preciso me preocupar, apenas ser.
Existem
pessoas, coisas, objetos que me teleportam imediatamente para casa. Me sinto em
casa quando leio: Pessoa, Lispector, Caio, Quintana, Carpinejar, Neruda,
Tolkien, J.K Rowling. Me sinto em casa quando ouço: Legião, Nirvana,
Engenheiros, Enya. Estou em casa quando sinto o cheiro de café, de pimenta
moída na hora, de incenso, de manjericão. Estou em casa quando vejo o céu, pela
fresta da janela.
Mas há
dias, em que a sensação de lar desaparece e tudo que sobra são as ruas dos
sentimentos. São dias difíceis em que eu tento me equilibrar em saltos, em que
vivo policiando as minhas palavras para que elas não machuquem ninguém, nem
mesmo a mim. São nestes dias em que eu tento agradar o mundo, mas esqueço de me
agradar.
Tudo
volta à vida quando eu me lembro de guardar um espaço para mim, para as coisas
que eu gosto. Guardar um tempo para tomar um sorvete, guardar um tempo para ler
um livro, guardar um tempo, para ficar mais tempo na cama, guardar um tempo
para ver TV com meu filho, guardar um tempo para viver.
Nos
últimos anos, o meu maior desejo, não é comprar uma casa na praia. Embora, não
me oponha a ideia. Tudo que eu mais quero é morar dentro de mim mesma. Morar na
minha respiração, no meu pulso. Saber todas as sensações que guarda a ponta dos
meus dedos dos pés. Decifrar os mistérios das veias azuis que brotam sobre a
minha pele.
Muitos
homens e mulheres juntaram seus pertences em uma mala e ganharam mundo ansiando
voltar para casa. Ixtlan, Santiago, Índia são só alguns dos caminhos mais
conhecidos. No fim, descobriram que o destino que queriam chegar eram eles mesmos,
descobriram-se CASAS.
Ao
contrário destes homens que fizeram as malas para se descobrirem. Eu espalho as
minhas roupas no armário. Ando pela cidade que sempre morei e descubro uma
novidade a cada novo passo. A cada dia estou mais perto de casa e agora falta
muito pouco para que eu possa finalmente dizer: Sou aquela que carrega a casa
no peito.
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